20 agosto 2005

Separar o Trigo do Joio

"As férias no Quénia

«A ida de Sócrates ao Quénia nesta altura pode indignar o povo - mas não traz mal nenhum ao país.»

MUITO se tem escrito e dito sobre a viagem de José Sócrates ao Quénia. Por um lado, estranha-se que um primeiro-ministro - que seria suposto ter uma vida austera - vá fazer com os filhos umas férias «à turista americano».

Por outro lado, critica-se que o faça numa altura em que o país, assolado pelo fogo, está à beira de uma calamidade pública.

Este raciocínio seria natural num motorista de táxi - que, pela dureza da sua profissão, tendo de guiar horas seguidas sob um sol abrasador em cidades caóticas como Lisboa, precisa de desabafar.

Mas é estranho que pessoas supostamente responsáveis, com acesso aos meios de comunicação social, digam o mesmo.

Repitam um argumento miserabilista, mesquinho e demagógico.

Primeiro, qualquer português da classe média tem hoje possibilidades de fazer um safari no Quénia.

Depois, a presença do primeiro-ministro em Portugal não aqueceria nem arrefeceria no que respeita ao combate aos incêndios: seria totalmente irrelevante.

JÁ era tempo de não utilizarmos argumentos deste género.

Até porque as críticas infundadas acabam por desvalorizar as outras.

Não é o mesmo criticar José Sócrates por ir ao Quénia - ou criticá-lo por ter permitido o saneamento político do presidente da Caixa Geral de Depósitos (que, como se viu esta semana, estava a dar mostras de uma invulgar competência).

Não é o mesmo criticar José Sócrates por não estar em Portugal a combater os fogos - ou criticá-lo por ter deixado o PS linchar em quatro meses o ministro das Finanças.

NA política há acontecimentos que marcam e há o folclore.

E uma das missões dos analistas é separarem o trigo do joio.


Separarem aquilo que é realmente importante do que é popular mas não tem importância nenhuma.

Ora a ida de Sócrates ao Quénia nesta altura pode indignar o povo - mas não traz mal nenhum ao país.

Inversamente, as recentes demissões do ministro das Finanças e do presidente da CGD podem ter alterado a rota deste Governo e a sua relação com o país.

Meter tudo no mesmo saco só contribui para confundir a opinião pública.

Critique-se Sócrates pelos seus erros - mas deixe-se o homem ter umas férias descansadas." Editorial do Expresso